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A arte no espaço virtual: ferramentas digitais renovam as formas de produção artística

  • Júlia Machado
  • May 15, 2021
  • 6 min read

Arte produzida no espaço virtual torna o ramo mais democrático ao facilitar a exposição dos artistas e o acesso dos admiradores.



A evolução tecnológica sempre fez parte da história da humanidade. Quando a televisão chegou aos mercados a crença era de que o rádio estava com os dias contados. O mesmo aconteceu com o surgimento do e-book, do streamming e de novos meios midiáticos, que a primeiro momento parecem substituir as tecnologias antigas. O que acontece, na verdade, é uma adaptação, o surgimento de novos fazeres e linguagens e a mistura do método antigo com o novo.


O mesmo acontece atualmente no campo da arte. O pincel, o lápis e a caneta inspiraram ferramentas de programas digitais, e ao invés de pintar ou riscar o papel, a arte pode surgir em pixels (pequenos pontos que formam a imagem digital) ou em vetores (formas e cálculos matemáticos feitos pelo computador para compor uma imagem). Os 0 e 1 do código binário se transformam em expressão através das telas de celulares, tablets e computadores e com o avanço dos programas de edição e ilustração, o espaço digital expandiu a produção e o mercado artístico.


João Pedro Caetano é artista digital e designer gráfico e conta que começou a desenhar com os materiais tradicionais (papel, lápis e caneta), mas que com a rotina diária não possui muito tempo para se dedicar ao desenho, e por isso encontrou no meio digital a agilidade e versatilidade para criar.


“O que me atraiu na arte digital foi a possibilidade de misturar formas e texturas de uma forma mais rápida”, reconhece o artista que tem como foco em suas criações a técnica da fotocolagem “minhas artes carregam sempre elementos da natureza, que é o que mais me inspira. Tento mesclar isso a alguns sentimentos e conceitos sobre a vida que ando aprendendo todos os dias”, afirma João.



O designer e artista lembra que teve dificuldades em produzir no início da pandemia “fiquei mais introspectivo”, e diz que tenta refletir seus sentimentos sobre o momento atual em suas obras. Arte: João Pedro Caetano.



O processo material do desenho não é necessariamente anulado na arte digital, e pode complementar as etapas da criação. O artista Paulo Tavares trabalha com ilustração, criando personagens e ambientes, e admite a vantagem de não depender de materiais como papéis, canetas e tintas, que, quando em falta, podem pôr em risco o andamento da obra. “Mas nunca abandono o fato de desenhar à mão também. Geralmente desenho à mão e depois retraço no computador”, ressalta.


O ilustrador comenta que desenvolveu seu estilo através de inspirações variadas que fizeram parte de sua trajetória. “Entrei mais a fundo no mundo da arte enquanto trabalhava em um estúdio de tatuagem, e assim o New School foi o estilo que eu mais me identifiquei. Com o tempo, fui absorvendo bastante influência de Grafitti, Cartoon, Animes e jogos, sempre acrescentando minhas influências às minhas artes”, diz.




Paulo destaca que uma das qualidades da arte digital é que para divulgar, ela não exige outros equipamentos como celulares ou câmeras fotográficas. Arte: Paulo Tavares.



Arte imaterial


A arte digital depende de aparelhos específicos para ser visualizada e sem esse suporte tecnológico, a obra não existe materialmente. Aline Reis é mestre em filosofia e pós-graduada em Crítica e Curadoria de Arte, e explica que esse fenômeno não é novidade no cenário da arte contemporânea. “A questão da materialidade e da imaterialidade que hoje pode parecer importante na arte digital, ela já está sendo pensada nos anos 1960 e 1970, na arte conceitual, por exemplo”, afirma.


Um dos conceitos criados durante o surgimento de novos modos de produzir arte a partir da década de 1950, é a arte efêmera. Esse estilo nega a noção de permanência e de materialização da arte e marcou o início das transformações contemporâneas no mundo da arte.


A filósofa e crítica de arte mora no Rio de Janeiro e é colunista do Blog de Arte.art, uma extensão do trabalho da artista Flory Menezes que possui uma Galeria-Atelier na Rua das Pedras, em Búzios. Aline estuda o circuito artístico e constata que a imaterialidade da arte digital já é muito aceita na arte contemporânea.


O artista digital Eurico Luiz reconhece que o ambiente virtual e o material se unem, seja na produção ou na divulgação do trabalho artístico.


“Até mesmo artistas que trabalham com meios fora do digital precisam usar a internet para divulgar o seu trabalho o que acaba tornando a arte deles, de certa forma, digital também. O mesmo ocorre ao contrário, muitos artistas digitais buscam formas de trazer seus trabalhos para o mundo concreto com impressões mais arrojadas e uma escassez de produto para agregar valor a essas artes”, reflete Eurico.



Eurico cria ilustrações com inspiração na natureza e no contraste com as construções humanas. Arte: Eurico Luiz.



A imaterialidade da arte digital é compensada pelas possibilidades de ampliação e redução, de reprodução e de uso. Paulo observa uma efeito paradoxal na arte virtualizada “por ter uma variedade de uso acaba sendo mais valorizada. Só que ao mesmo tempo o fato dela não ter sido desenvolvida de maneira física pode desvalorizar o trabalho realizado pelo fato de não requerer gastos de material e ser mais fácil de reverter erros”, analisa.




Apesar da não dependência de material para a produção da arte, Paulo explica que a arte digital requer mais especialização com o aprendizado das técnicas de desenho somadas ao uso dos softwares de criação das obras. Arte: Paulo Tavares.



A internet e a exposição da arte


Para Aline a exposição da arte digital na internet não interfere na sua valoração, mas é um dos métodos que os artistas encontram para divulgar as suas criações. “A exposição é uma das formas de colocar o trabalho de arte no mundo. Essa visualização do trabalho de arte no mundo, ela tem um aspecto muito importante para qualquer artista”, esclarece.


João identifica um espaço amplo de divulgação gerado pela internet. Morador de Cabo Frio ele conta que seu trabalho já teve abrangência internacional “por mais que o trabalho não tenha uma repercussão no local onde moro, vejo que às vezes alcanço poucas pessoas, mas de lugares muito distantes e assim já consegui criar uma rede de contatos mais extensa”, comenta.


Outro ponto positivo do ambiente online é a democratização da arte “minha arte é acessível, pois qualquer pessoa com um celular e internet pode interagir com ela, observar, comentar, etc. O único problema é a distribuição de renda e tecnologia, que ainda não é uma realidade em muitos lugares, principalmente no Brasil”, destaca o artista.


Eurico também reconhece a importância da internet na difusão e no acesso à arte digital. “Muitos espaços de exposição de arte ainda são de difícil acesso ao público, tanto por causa do dinheiro que alguns desses lugares exigem quanto pela falta de informação do público em geral em encontrar espaços artísticos próximos e acessíveis”, ressalta.



Eurico morou em Cabo Frio durante quatro anos e fala que antes da pandemia a cidade realizava alguns eventos de arte independente. Arte: Eurico Luiz.



O mundo online e a expansão do público


Divulgar a arte em regiões interioranas pode ser um desafio. Paulo mora em Araruama, na Região dos Lagos, e conta que desde que começou a comercializar seus trabalhos teve poucos clientes locais. “Realizei cerca de três trabalhos para hamburguerias, dois para bandas e um para marca de roupas. A grande maioria dos clientes que tenho acabam sendo de outras regiões, principalmente São Paulo”, afirma.


João admite que ainda não se dedicou diretamente à divulgação de suas criações pessoais, e que mesmo assim já colaborou com grandes instituições como a Universidade Veiga de Almeida e a Prefeitura de Cabo Frio. Entretanto, ele destaca que o trabalho de design ainda é pouco valorizado na região “Ainda temos um mercado de trabalho muito mecânico, monótono e que investe pouco e deseja obter muitos resultados”, conta.



O designer e artista digital conta que se sente feliz onde trabalha atualmente porque pode expressar a sua arte de acordo com as demandas. Arte: João Pedro Caetano.



Entre as ferramentas tradicionais e a modernidade dos softwares digitais, o que se observa é que assim como aconteceu com o rádio e a tv, os métodos anteriores não deixarão de existir, mas serão adaptados para dar novas possibilidades para a expressão humana. Atualmente, a arte manual e a arte digital se unem em uma simbiose para oferecer novas perspectivas para a arte e para os artistas.

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