Linhas, tecido e solidariedade: Projeto vende produtos bordados e arrecada alimentos e cobertores
- Júlia Machado
- Jul 26, 2021
- 5 min read
Artesãs resgatam a cultura do bordado à mão e promovem a solidariedade em São Pedro
Da mesma forma como as linhas bordadas unem o tecido em desenhos e padrões visuais, o bordado também possibilitou a união de mulheres artesãs em prol de uma causa solidária em São Pedro da Aldeia. O projeto Bordado Solidário SPA (sigla em alusão à cidade) foi fundado em 2018 com o intuito de reunir artistas para resgatar a arte de coser através da exploração da estética visual dos desenhos feitos com linhas, tecido e agulha.
Com três coordenadoras, o grupo busca valorizar e resgatar as técnicas de bordados à mão, trabalhadas pelas artesãs de modo a agregar valor à peças como panos de prato, porta moedas e toalhas de mão. Os produtos bordados são vendidos a preços acessíveis e a renda é revertida em doações de cobertores e cestas básicas para a população em situação de vulnerabilidade.
A aposentada Neuza Pinheiro ingressou logo no início do projeto e conta que gostou do bordado desde o seu primeiro contato com a arte, ainda na escola. Ela aprendeu alguns pontos básicos na infância, mas com o tempo perdeu o costume de bordar, e assim que soube do grupo, se interessou e decidiu se unir ao coletivo. “Vim bordar para ajudar no projeto, e estou gostando muito, porque eu amo o bordado. O bordado é a coisa mais linda para mim”, reconhece.
A história contada em linhas
O coletivo iniciou seus trabalhos com o objetivo de homenagear a cidade onde vivem. A proposta inicial era retratar a história de São Pedro da Aldeia, representando as paisagens naturais e patrimônios culturais do município. O projeto intitulado de “Bordando nossa história... Fio a Fio” trouxe representações dos pontos turísticos históricos e naturais assim como elementos típicos da cultura da cidade, e foi dividido em dois módulos unindo o passado e o presente da região.
O trabalho reuniu 16 bordadeiras e culminou em uma exposição na Casa da Cultura Gabriel Joaquim dos Santos. A coordenadora do projeto e instrutora de bordado, Katia Rodrigues, comenta que no começo a adesão foi pouca por parte das artesãs, mas um curso gratuito oferecido pela Secretaria Adjunta de Cultura foi o apoio que faltava para fazer a ideia sair do papel. Katia conta que “o grupo de alunas, ainda bem iniciantes, terminou por abraçar o projeto da exposição sobre os 401 anos de São Pedro, em bordados”.

Na primeira atividade do projeto, a história de São Pedro da Aldeia foi contada através das linhas do bordado. Imagem: Jefferson Viana.
Katia conta que mesmo com a conclusão do curso, as alunas desejaram continuar a bordar, “foi quando surgiu a ideia de nos reunirmos na praça João Torres, ao lado da Igreja Matriz, para bordar pequenos objetos vendáveis e reverter todo o valor para uma ação solidária”, lembra.
Após a exposição sobre a história do município de São Pedro, Katia explica que o grupo já estava pronto para novos desafios. “Em uma de nossas reuniões surgiu a proposta de bordar a Casa da Flor. O desafio logo encheu o nosso Imaginário. Buscamos conhecer mais sobre o lugar, realizamos pesquisas. Mas logo teríamos um desafio a mais, pois a pandemia se instalou”, recorda.
A adaptação e o isolamento durante a pandemia
O trabalho precisou ser adaptado à nova realidade. As aulas continuaram de forma virtual, o conteúdo passou a ser gravado e enviado para as alunas em um grupo de WhatsApp, de forma que as participantes podem acompanhar as aulas conforme a rotina pessoal de cada uma. Dúvidas e orientações também são esclarecidas de forma virtual. Katia destaca que “a existência deste projeto, mantinha o grupo unido e auxiliou muitas das bordadeiras a passarem por esse período de isolamento de forma menos solitária”.
Uma das bordadeiras do projeto, Joana Faria, entrou no grupo alguns dias antes do avanço da pandemia no país, e conta que estava aprendendo os primeiros pontos quando as aulas foram suspensas. “Durante a pandemia a professora Katia postava vídeo aula e tirava as nossas dúvidas e me incentivava a não desistir”, comenta. Ela acrescenta que o bordado a ajudou a enfrentar o isolamento causado pela quarentena. "Enquanto minhas amigas estavam entediadas por estar em casa afastadas do convívio social, eu estava me distraindo e ocupando minha mente com essa atividade prazerosa de bordar, que nem via o tempo passar”, ressalta.

A troca de experiências e o convívio entre as artesãs que antes era presencial, precisou se adaptar e migrou para o ambiente digital durante a pandemia. Imagem: Jefferson Viana.
Neuza também encontrou na arte do bordado um auxílio para enfrentar o isolamento. A aposentada conta que é dedicada ao artesanato e além do bordado também faz crochê e aulas de pintura em tecido. “O bordado na minha vida hoje representa uma terapia”, ressalta. A importância da atividade ficou ainda mais evidente durante o último ano: “Me ajudou muito, porque essa quarentena deixa a gente muito nervosa e preocupada. Se a gente não tiver alguma atividade para fazer, a gente está arriscada até a ficar depressiva”.
Artesanato com pegada social
Por conta do risco de contaminação pelo novo Coronavírus em realizar as exposições das peças de modo presencial, a página no Instagram virou a principal vitrine do grupo. O trabalho divulgado através da rede facilita o acesso aos produtos e ajuda a difundir o projeto.
Tornar as peças de artesanato acessíveis é uma das preocupações do coletivo, o preço é estipulado de acordo com o gasto de material e o nível de complexidade dos bordados. Katia ressalta que “temos como princípio que a peça final possua um valor justo e acessível”, e “frente a atual realidade econômica que o país enfrenta, adotamos a troca de peças bordadas por alimentos não perecíveis”.

Joana aprendeu as técnicas básicas para iniciantes, e já consegue ver resultado da dedicação à aprendizagem da arte, e reconhece que “o bordado está sendo uma terapia que ajuda a exercitar minha mente e me mantém ocupada e feliz por poder ajudar pessoas necessitadas”. Imagem: Arquivo Pessoal.
Além das ações independentes realizadas através de doações enviadas para famílias da cidade, o Bordado Solidário SPA já colaborou com outros grupos que atendem populações em vulnerabilidade como a Secretaria de Assistência Social (CRAS), os irmãos Vicentinos da Igreja Católica e a Cruz Vermelha.
Como participar? (Serviço)
O grupo é aberto a todos os moradores de São Pedro da Aldeia. Katia destaca que “um dos fundamentos [do projeto] é a troca. A troca de conhecimento, ideias, saberes, olhares, perspectivas e criatividade”, ela também explica que por isso, não é necessário que o integrante já saiba bordar.
Também é possível ajudar o Bordado Solidário SPA através da compra de produtos desenvolvidos no projeto, que estão disponíveis no Instagram e podem ser enviados para outras cidades.
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