Das telas para a vida real: A transformação dos cosplayers
- Júlia Machado
- May 30, 2021
- 5 min read
Apesar dos desafios da profissionalização no interior, cosplayers da Região dos Lagos ganham notoriedade nas redes sociais.
A arte de se transformar em personagens não é recente. O termo cosplay é originado do inglês da união de fantasia (costume) com brincadeira ou interpretação (roleplay), e surgiu para designar os fãs que se vestiam como personagens da cultura pop japonesa. Atualmente o termo engloba um aspecto mais amplo, e é usado para se referir às pessoas que se vestem e interpretam qualquer personagem da cultura pop/geek.
Assim como acontece em filmes, em que o protagonista vive como uma pessoa comum e se transforma em herói no final do dia, muitos cosplayers não se dedicam profissionalmente à arte, mas a utilizam como forma de expressão, bem como para se divertir e conhecer novas pessoas.
Esse é o caso de Ana Kazuto. Ela trabalha como esteticista, e conta que a vontade de se vestir como personagens começou ainda quando era criança. “Só entrei realmente no mundo cosplay quando fui para o meu primeiro evento, porque eu simplesmente achava que não podia ir descaracterizada”, afirma.
Para Ana, a região não oferece oportunidades necessárias para que ela pudesse atuar profissionalmente com a caracterização de personagens. Ela explica que as personagens que costuma se caracterizar não são muito conhecidas na região, e além disso, a baixa frequência de eventos temáticos também dificulta a criação de uma carreira profissional no mercado de cosplay.

A personagem vocaloid (software de síntese de voz) Hatsune Miku é uma das interpretações mais frequentes nos cosplays de Ana. Imagem: Arquivo Pessoal.
O ator e biólogo Bruno Santos teve uma trajetória diferente, e já ingressou profissionalmente no cosplay. Há quatro anos foi chamado para trabalhar como personagem vivo em uma empresa especializada em festas infantis, e após algum tempo começou a adquirir as próprias peças para produzir os cosplays de forma independente.

Bruno também ressalta a carência de eventos para cosplays e a dificuldade para encontrar produtos para a confecção dos figurinos e acessórios na região. Imagem: Divulgação/ Instagram.
O reconhecimento que vem de fora
As redes sociais forneceram novas possibilidades tanto no campo da interação social, quanto na divulgação de trabalhos. E enquanto as cidades da Região dos Lagos ainda apresentam um desenvolvimento embrionário das convenções e eventos temáticos, o ambiente online aparece como um espaço diversificado e amplo para os criadores de conteúdo voltado para o cosplay.
A quarentena e o afastamento social iniciado em 2020 fez com que as interações convergissem para o espaço digital. Foi nesse período que Bruno começou a expor seu trabalho como cosplay e, através de vídeos curtos de redes sociais, conquistou um público que abrange cidades de todo o país, somando mais de 9 mil seguidores no Instagram e mais de 1 milhão no TikTok. “Os meus seguidores elogiam muito o meu trabalho, isso é o que me dá mais força para continuar. Além disso, me dão ideias bem legais de cosplays que na opinião deles combinam com o meu perfil”, destaca.

“Conhecer novas pessoas e dividir experiências” é o que Bruno mais gosta no universo cosplay. Imagem: Reprodução/ Instagram.
Também foi com a realidade do isolamento social que a designer gráfico Nathalia Parga encontrou uma oportunidade para começar a criar e divulgar seus próprios cosplays nas redes. “Eu sempre fui envolvida no meio e fazia umas coisinhas mas guardava pra mim, em 2020 devido a quarentena eu comecei a fazer como brincadeira nas minhas redes sociais e acabou dando certo, além de eu ter encontrado o que me faz feliz, então não parei mais”, comenta.
Recentemente, Nathalia passou da marca dos 2 mil seguidores no Instagram e dos 5 mil no TikTok, redes onde posta as fotos dos cosplays prontos e mostra todo o processo de produção dos figurinos e acessórios. Ela conta que busca manter uma relação de amizade com os seguidores, e recebe bastante incentivo. “Tenho muitas pessoas que me apoiam e me demostram carinho, existe também uma grande porcentagem de mulheres que me mandam mensagens agradecendo pelo meu conteúdo pois as inspira a fazer o mesmo, várias meninas de todas as idades me agradecem por servir de espelho para elas, e isso é tudo pra mim”, afirma.

Para Nathalia, o cosplay lhe oferece a possibilidade de ser quem quiser. Imagem: Arquivo Pessoal.
Tanto Ana quanto Bruno reconhecem que a maior parte de seus públicos é de fora da Região dos Lagos. Já Nathalia explica que seu público é dividido “tem muita gente da Região dos Lagos, mas muita gente de São Paulo, Rio, Bahia e etc”. Apesar do apoio que recebe do público local, ela não enxerga muitas possibilidades de trabalho no cosplay “vejo o mercado muito escasso e menosprezado, principalmente na Região dos Lagos, prefiro apenas usar como diversão”, reflete.
Reproduzir ou adaptar?
Quanto mais semelhante à personagem original, mais chances o cosplayer tem de conquistar o público. Mas como reproduzir escalas de protagonistas irreais? Muitas personagens que originam os cosplays são originadas em histórias em quadrinhos, animes, jogos e até de livros, e podem trazer características de outras espécies como a cor dos olhos e tamanho das orelhas ou simplesmente podem possuir biotipos desproporcionais como seios muito grandes, cintura muito fina e músculos acentuados.
Ana e Nathalia já sofreram críticas por não corresponderem às expectativas evocadas pelo físico de uma personagem. Nathalia alterna entre as mais variadas personagens, e já interpretou protagonistas de animes, séries, jogos e heróis de filmes mais conhecidos entre o grande público. Ela afirma que as comparações são frequentes “principalmente por eu não ser magra, então sempre tem comentários citando que eu não deveria estar fazendo, ou que eu ‘estraguei’ a personagem”.

Bakugou (acima - Boku no Hero), Velma (Scooby Doo), Ravena (Jovens Titãs), Sasuke (Naruto) e Lady Dimitrescu (resident Evil Village) foram algumas das personagens interpretadas por Nathalia. Imagem: Arquivo Pessoal.
Outro desafio de lidar com a exposição são os assédios e importunações sexuais, que podem ser intensificados pelas representações hipersexualizadas às quais algumas personagens sofrem. Bruno comenta que já passou por situações de importunação, e tenta reagir de modo natural “mudo o assunto e se o problema persistir tento me afastar dessas pessoas para que não haja um constrangimento maior”.
O Código Penal Brasileiro classifica a importunação sexual como crime que pode gerar até cinco anos de prisão, mas o ambiente online pode dificultar o reconhecimento e punição do importunador, o que faz com que as vítimas não denunciem. Nathalia costuma ignorar quando passa por alguma situação de assédio ou importunação, mas diz que “quando é algo muito pesado eu costumo falar um pouco sobre [assédio] nas minhas redes sociais, mas na maioria das vezes os assédios pela internet são feitos por fakes, então não me sobra muita opção de resposta, apenas bloqueio”, lamenta.
Apesar de situações como esta, a diversão em produzir o figurino, interpretar o personagem preferido e interagir com as pessoas é a principal motivação dos artistas. Bruno reconhece que “a interação [nas redes sociais] é incrível! Conheci muitos cosplayers maravilhosos que quero muito ver pessoalmente. Conquistei alguns fãs que me dão muita força e incentivo. Sou muito grato a cada um deles”, agradece.
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